Na temporada de alta montanha aqui no hemisfério sul, eu e Ingo Moller, tivemos a oportunidade de nos aventurar pelas Cordilheiras Real e Quimsa Cruz, na Bolívia. A Cordilheira Real é a que está mais próxima de La Paz e a que recebe mais turistas e escaladores de diversos lugares do mundo. Já a Cordilheira Quimsa Cruz está localizada a cerca de 8 horas ao sul de La Paz, onde o turismo de aventura praticamente não existe.

Escalar montanha nos Andes, seja no Peru ou na Bolívia, é uma intensa viagem cultural, já que os dois países conservaram a dura custas os costumes, trajes e língua dos povos originários. Nas montanhas, ou mesmo caminhando pelas ruas da cidade é muito fácil perceber como a raça indígena prevaleceu fortemente, existindo pouquíssima miscigenação.
Para chegar a La Paz optamos por voar de São Paulo para Santa Cruz de La Sierra e daí seguir de ônibus até a capital boliviana. Existem voos diretos para La Paz, mas todos com escala em Lima o que deixa a passagem muito cara. Este trecho Santa Cruz - La Paz de ônibus demora cerca de 20 horas e custa R$15,00. Porém também é possível ir de avião com a empresa boliviana BOA, esta passagem comprada com antecipação custa cerca de R$100.

La Paz é uma grande cidade cercada de lindas montanhas. Da cidade se vê ao sul o Illimani com 6.480m de altitude, e o Mururata com 5.575m, e um pouco mais ao norte o Huayna Potossi com 6.080m. A geografia da cidade também impressiona muito. Na região de La Paz conhecida como El Alto, a altitude é de 4.200m.El Alto é considerada a periferia da cidade e se encontra em franco desenvolvimento e se estende por uma planície de perder de vista. O centro da cidade de La está localizado lá embaixo, a cerca de 3.800m, a impressão é de estar descendo para dentro de um buraco. É no centro onde estão as agências e as lojas de montanha, os hostels e restaurantes, tudo ao redor da rua Sagarnaga e Illampu. Descendo ainda mais se chega a zona sul da cidade, a região nobre, muito distinta de todo o resto de La Paz. Nos falaram que era os Estados Unidos de La Paz, Burger King realmente tinha por lá. É também na zona sul que está localizado um setor de escalada esportiva conhecido como Aranruez. A rocha é o conglomerado, sendo uma ótima pedida para os dias de aclimatação.
CORDILHEIRA QUIMSA CRUZ
Assim que chegamos a La Paz já começamos a buscar informações e a preparar nos para partir em direção a Quimsa Cruz. O objetivo era escalar um pouco de rocha nos Andes. Difícil foi garimpar alguma informação sobre as vias, só encontramos um livro antigo com alguns croquis das principais agulhas.

Devíamos ir até a cidade de Viloco, isso já sabíamos porque o Ingo, já havia estado por aquelas bandas há 18 anos. Descobrimos que o ônibus para Viloco parte de El Alto todos os dias as 7 da manhã e leva de 7 a 9 horas para chegar ao pequeno pueblo de Viloco, sendo necessário comprar as passagens com um dia de antecedência. A viagem por si só já é uma aventura, a estrada passa pelo meio da cordilheira Quimsa Cruz. Pela janela do ônibus se vê de um lado vários nevados e do outro um precipício de dar vertigens. Viloco é um pueblo mineiro, sem nenhuma atividade turística encravado no meio da cordilheira a cerca de 4.300m de altitude.

O nosso destino final era a mina de Kuchu Mocoya, cerca de uma hora e meia caminhando desde Viloco. Também é possível conseguir transporte com os mineiros que fazem este trajeto diariamente. Do acampamento de Kuchu Mocoya, caminhando mais uma hora, é possível acessar o vale da Laguna Blanca onde está localizado o monte Saturno com 5.330m de altitude e outras agulhas como a Monte Rosa, Laurani e a La Escuela de Las Viscachas, onde existem algumas vias desportivas.

O outro vale, onde está localizado o Obelisco de Araca, Las Tenazas, Cuernos del Diablo e La Gran Muralla está há cerca de 2 horas e meia de caminhada da mina de Kuchu Mocoya. Para escalar nestas agulhas é mais recomendado acessar este vale desde a cidade de Mocoya e acampar próximo a Laguna de Chilliwani, facilitando o acesso a base das vias.

De qualquer maneira esteja certo que você vai caminhar muito para escalar em Quimsa Cruz e provavelmente passar muito frio. As paredes onde a rocha é excelente, com lindas fissuras de granito, estão quase que na sua totalidade na face Sul. Algumas não pegam sol esta época do ano e outras o sol chega após o meio dia. A altitude média fica em torno dos 4.700m na base das vias. Na sombra, com vento, faz um “pouco” de frio, principalmente para nós brasileiros que estamos mesmo é acostumados a escalar de camiseta e bermuda.
Conseguimos escalar muito pouco se comparado com as nossas expectativas.

Estivemos no Obelisco, caminhamos cerca de três horas para acessar a base. E por sorte o tempo fechou no meio da escalada, começou a nevar e não pudemos escalar mais nenhuma agulha neste vale. Escalamos algumas vias esportivas na Las Viscachas, setor está bem próximo do acampamento.

E para finalizar subimos duas linhas escolhidas por estarem no sol, com cerca de 90m e 200m sem deixar nada na parede. Estivemos em Kuchu Mocoya e depois próxima a Laguna Blanca por cerca de 10 dias. Pegamos duas nevadas e não vimos nenhum outro escalador, ou turista, apenas os mineiros, suas esposas e filhos. O lugar oferece uma infinidade de possibilidades de escalada limpa por fissuras em um ambiente de tirar o fôlego, literalmente.

Durante a volta para La Paz, pegamos carona até a localidade de Mina Chuma para subir um nevado que tínhamos avistado durante a ida. Um pueblo mineiro abandonado, onde já viveram cerca de duas mil pessoas, atualmente vivem não mais que 100 mineiros durante a semana, os quais retornam as suas casas nos finais de semana.

Ficamos em um alojamento improvisado, e saímos caminhando na madrugada. O glaciar já está a cerca de uma hora e meia de caminhada da estrada. Mais um par de horas caminhando e chegamos ao cume escolhido, com nome e altitude desconhecido!

Estar em Quimsa Cruz é uma grande aventura, pouquíssima informação sobre as escaladas, porém com muitas possibilidades de subir linhas inteiras com proteções móveis. Enfrentar o desconhecido, a altitude e o frio em um ambiente totalmente inóspito. Uma experiência única e cada vez mais rara já que são poucos os lugares que ainda se preservam assim, sem exploração turística.

*matéria publicada originalmente no Jornal da Montanha, ED 09. Setembro/2012
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